O EMPRESÁRIO NO NOVO CPC
Por Wallace Fabrício Paiva Souza
15 de janeiro de 2017.
Direito Civil e Direito Empresarial são ramos distintos e autônomos, mas em matéria processual não há um Código de Processo Empresarial e nem leis esparsas a ponto de se falar na existência de um ramo autônomo para o Direito Processual Empresarial.
O Projeto de Lei n. 1.572/2011, que está tramitando na Câmara dos Deputados e que teria seu relatório votado no último dia 8 de dezembro de 2016, até possui uma parte destinada a normas de processo empresarial, mas ainda assim o Código de Processo Civil seria bastante utilizado como norma subsidiária.
Assim, o Código de Processo Civil (CPC), Lei n. 13.105, que foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de março de 2015 e está em vigor desde 18 de março de 2016, é de extrema importância para o Direito Empresarial e gera vários impactos nele.
Dentre esses temas que foram trazidos no Novo Código de Processo Civil e que repercutem diretamente no Direito Empresarial, podem ser citados:
- Incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137);
- Ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 599 a 609);
- Normas sobre penhora de quotas de sociedade (art. 861);
- Penhora de estabelecimento empresarial (arts. 862 a 865); e
- Penhora de faturamento de empresa (art. 866).
Considerando o tema desta apresentação ser “O empresário no Novo CPC”, propõe-se para este estudo uma breve análise sobre o conceito de empresário, pressuposto básico, e após uma análise da ação de dissolução parcial de sociedade, trazida no Novo CPC, considerando a impossibilidade de se tratar sobre todos os temas mencionados. Por fim, traz-se uma questão muito polêmica sobre a exclusão de sócios, tema apresentado no XXV Congresso do CONPEDI - CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTETÁVEL: o papel dos atores sociais no Estado Democrático de Direito, realizado nos dias 7 a 10 de dezembro de 2016.
1 CONCEITO DE EMPRESÁRIO
Dispõe o art. 966 do Código Civil: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL, 2002, Art. 966, caput). Haroldo Verçosa (2014, p. 116/134), assim, destrincha o conceito de empresário em 5 elementos:
1) exercício de uma atividade: não pode ser um negócio ocasional, deve haver um “constante repetir-se” (VERÇOSA, 2014, p. 117);
2) a natureza econômica da atividade: voltada para a criação de riqueza, deixando claro que não necessariamente o empresário terá lucro, tanto que ele pode encerrar suas atividades por serem inviáveis, mas o intuito deve ser lucrativo.;
3) a organização da atividade: ela tem que ser feita por meio de um complexo de bens organizados para o exercício da empresa, o que não exige uma estrutura complexa e nem complexidade de organização, bastando a organização dinâmica dos fatores de produção (natureza, capital, trabalho e, modernamente, a tecnologia);
4) a profissionalidade do exercício de tal atividade: é o elemento subjetivo, exigindo uma habitualidade e continuidade, não se podendo falar numa empresa que surge de forma acidental; e
5) a finalidade da produção ou troca de bens ou serviços: é o elemento objetivo, de modo que a atividade do empresário deve ser feita para o mercado, e não em proveito próprio. Tem que produzir e fazer circular.
Analisado o caput do art. 966 do Código Civil, importante também analisar seu parágrafo único, que traz quem não é empresário. Dispõe o referido dispositivo: “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.” (BRASIL, 2002, Art. 966, parágrafo único).
Verifica-se, então, que quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística não será considerado como empresário, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Mas o que seria essa ressalva do elemento de empresa? Respondendo a esse questionamento,
a ressalva a elemento de empresa refere-se à situação em que a atividade intelectual não é preponderante, muito menos o fim social pretendido, mas apenas um meio (engrenagem) para a consecução dos objetivos societários de produção ou circulação de bens ou de serviços relativa a uma atividade econômica empresarial complexa. Sendo, assim, a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística é absorvida ‘como dos fatores da organização empresarial’ (CJF, III Jornada de Direito Civil, Enunciado 195). (FERNANDES, 2015, p. 38)
Por fim, citam-se os enunciados 194 e 195 da III Jornada de Direito Civil sobre o art. 966 do Código Civil:
194 – Art. 966: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.
195 – Art. 966: A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial. (AGUIAR JÚNIOR, 2012, p. 40)
2 AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE
A dissolução parcial da sociedade é gerada por qualquer ocorrência que leve a um rompimento parcial do contrato de sociedade, como bem explicado por Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 867). E esse rompimento parcial pode se dar pelo falecimento de um sócio, pela sua exclusão ou pelo exercício de seu direito de retirada ou recesso.
É importante destacar que a dissolução parcial é um instituto que se originou na jurisprudência, sendo de suma importância ao fomento da economia do país. Ao contrário do que previa o Código Comercial de 1850, caso algum sócio saia da sociedade, não será imprescindível que a atividade econômica se encerre por completo e ocorra a dissolução total. (LANA; MAGALHÃES, 2014, p. 119) Não faz sentido uma empresa sadia se encerrar porque um sócio saiu.
Essa dissolução parcial pode se dar judicialmente, quando se fala na ação de dissolução parcial de sociedade, regulamentada pelos arts. 599 a 609 do Novo CPC, ou de forma extrajudicial. Aqui o foco será no procedimento trazido pelo Novo CPC.
No art. 599 do Novo CPC se encontram duas demandas diversas como possibilidade: a ação para dissolução parcial de sociedade e a ação para apuração de haveres. Marcelo Vieira Von Adamek em entrevista concedida à Associação dos Advogados de São Paulo critica essa situação, por serem ações distintas tratadas de forma unitária. Estarão sujeitas à ação de dissolução parcial de sociedade as sociedades empresariais contratual ou simples, bem como as sociedades anônimas de capital fechado.
A legitimidade ativa para a ação se encontra regulamentada no art. 600 do Novo CPC, sendo de acordo com a espécie da ação a ser ajuizada. Segue a redação do art. 600:
Art. 600. A ação pode ser proposta:
I - pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade;
II - pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido;
III - pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social;
IV - pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito;
V - pela sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; ou
VI - pelo sócio excluído.
Parágrafo único. O cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio.
Em caso de óbito do sócio, então, a legitimidade ativa será do espólio do falecido, dos sucessores ou da sociedade. Em caso de retirada, a legitimidade é do próprio sócio. Quando se tratar de exclusão, será do sócio excluído para a apuração de haveres e da sociedade para obter o desligamento. No caso de apuração de haveres, legitima-se o cônjuge ou companheiro do sócio, em caso de extinção da relação.
Ao contrário da legitimidade ativa, a legitimidade passiva não possui um dispositivo específico no Novo CPC, de modo que seja deduzida da leitura do art. 601 do Novo CPC:
Art. 601. Os sócios e a sociedade serão citados para, no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação.
Parágrafo único. A sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada.
Quanto ao procedimento, verificou-se que o pedido de dissolução parcial da sociedade vem geralmente cumulado com pedido de apuração de haveres, de forma que o procedimento terá duas fases procedimentais consecutivas: dissolução e apuração de haveres.
A primeira fase, foco desta apresentação, seguirá o rito comum. É interessante observar que não foi mencionado no art. 603 do Novo CPC o que acontece caso haja a revelia do réu, entendendo-se que o juiz deva dissolver a sociedade por decisão interlocutória de mérito (NEVES, 2016, p. 872). Segue a redação do art. 603 para ciência: “Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação”.
Passa-se agora aos aspectos polêmicos referentes à exclusão de sócios.
3 ASPECTOS POLÊMICOS DA EXCLUSÃO DE SÓCIOS
O trabalho apresentado no último CONPEDI, realizado nos dias 7 a 10 de dezembro de 2016, teve como tema a exclusão de sócios e seus aspectos polêmicos, apresentando as conclusões abaixo mencionadas. Destaca-se que o trabalho teve como referencial teórico as obras de Marcelo Vieira Von Adamek (2011), José Marcelo Martins Proença (2012) e Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França (2009).
A exclusão de sócios, que envolve todas as formas de afastamento compulsório de um sócio do quadro social, ainda que contra sua vontade, está diretamente relacionada à preservação das atividades empresárias, essenciais para o desenvolvimento de toda a sociedade.
A princípio, pode-se estranhar o fato da dissolução parcial de uma sociedade por meio da exclusão de um sócio ser justamente para efetivar a continuidade da empresa, mas a exclusão, como analisado, não é imotivada, necessitando da prática de atos que possam colocar em risco a continuidade da empresa diante da gravidade do ato praticado ou por descumprimento de obrigações sociais. Ora, exclui-se o sócio justamente para que as atividades empresárias possam continuar.
Apenas por essa análise, já se percebe a importância desse instituto, mas o legislador não andou bem e deixou margem para algumas controvérsias quanto ao tema em debate, como: quem seria legitimado ativo para ajuizamento da ação de exclusão de sócios; se seria necessário ou não a prévia deliberação dos sócios para legitimar a ação de exclusão de sócios e, caso se entenda que seja necessário, qual seria o quórum; e se a possibilidade de exclusão extrajudicial tornaria carente a ação de exclusão por falta de interesse de agir.
Sobre a questão da legitimidade ativa, o trabalho adotou o posicionamento de que seria apenas da sociedade, afinal os efeitos da deliberação tomada pelo órgão societário recaem na pessoa da sociedade, que é quem terá uma modificação estrutural com a exclusão, inclusive com a diminuição do seu capital social. É a sociedade que assumirá a obrigação de pagar os haveres do sócio excluído, quem suporta os prejuízos causados pelo sócio excluído. Embora haja o argumento de que os sócios também serão atingidos pela decisão, eles são atingidos indiretamente por todos os atos da sociedade e, permitir que eles sejam legitimados ativos também, é violar o princípio civil da identidade, que distingue a pessoa jurídica dos sócios.
Quanto à necessidade ou não de prévia deliberação dos sócios para legitimar a ação de exclusão de sócios, este trabalho também entende que o art. 1.030 do Código Civil é claro quando diz “iniciativa da maioria dos demais sócios”, sendo necessária essa prévia deliberação. Esse ponto ainda gera dúvidas sobre o quórum, se os votos seriam computados “por cabeça” ou pelo capital social. Se fizer uma interpretação literal seria “por cabeça”, mas se observar uma interpretação sistêmica, principalmente com a leitura do art. 1.010 do Código Civil, fica claro que os votos devem ser computados pelo capital social. Esse é inclusive o entendimento demonstrado no enunciado 216 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
Por fim, se a previsão contratual de exclusão extrajudicial repele ou não a possibilidade de exclusão judicial, observada a condição de ação de interesse de agir. Ocorre que a aferição do interesse de agir não pode se dar de forma tão estreita. Ainda que caiba a exclusão extrajudicial, os sócios podem entender ser melhor o ajuizamento da ação pelos mais diversos motivos, além de que escolher um caminho mais longo não prejudica o sócio excluendo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se, então, ainda que de forma breve, que o Novo CPC tem um impacto direto no dia a dia do empresário, como nos temas da desconsideração da personalidade jurídica e ação de dissolução de sócios.
Mas, além disso, o Novo CPC tem como princípio básico a efetividade, que envolve a duração razoável do processo e a máxima coincidência do direito, que é a busca por um resultado o mais próximo possível do direito. E, nesse contexto, espera-se que o Novo CPC consiga dar mais dinamismo às ações judiciais, o que coadunaria com o dinamismo que deve estar presente no Direito Empresarial, considerando que regula um mercado rápido, ágil, que muda a todo instante.
REFERÊNCIAS
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